Tempo | pt.4

Colocando palavras no papel aos olhos de James Baldwin e seu sobrinho

fui chamado para cá sem pedir para vir.

cheguei meio desconfiado, meio observador… mas vim. sem saber o que estava por vir.

questionador, perguntei sobre muitas coisas em algum momento da minha vida.

principalmente, quando ainda não sabia muitos substantivos. de muitasperguntas que fiz, tem uma resposta que eu nunca esqueci.

“o que é aquilo? — perguntei apontando para um troço muito velho e meio enferrujado.

“ah, é uma máquina de escrever.” — ela respondeu.

“posso mexer?”“claro.”

escrevi cartas para todas as pessoas do mundo naquele dia. até para o marques, atacante do Galo. não recebi nenhuma resposta, mas lembro da minha tentativa de comunicação com elas.

não receber respostas também faria tanta diferença porque eu não sabia ler. também, não sabia escrever. eu só tive o prazer de apertar as letrinhas como se eu fosse um escritor de verdade aquele dia. mas juro por tudo que é mais sagrado que, na minha cabeça, tudo que estava escrito tinha contexto e era coerente para leitura.

alguns dias depois, entreguei a carta que escrevi para minha vó e pedi para que ela lesse em voz alta.

ela leu e eu chorei.

chorei muito porque ela tinha lido tudo errado. sabiamente, ela pediu para que eu lesse a história para ela.

eu li e ela chorou.

chorou muito também.

disse que era por emoção, porque a história estava muito linda — não vou lembrar da história, sendo que nem o registro dela seria confiável. só hoje entendo que ela chorou porque viu uma criança criativa. ao invés de falar que não conseguia ler porque eu não era alfabetizado, ela criou uma história e me fez criar uma outra em cima da criação dela.

por isso sou assim.

não gosto de comemorar aniversários mas celebro minha oxidação orgânica. celebro a pessoa que venho me tornado e tenho um respeito imenso pela criança que já fui.

feliz aniversário para mim, para o lewis hamilton, para o meu amigo duílio.